22/02/2022
Fonte: JOTA PRO Saúde
Diretora da agência diz que ideia é reduzir prazos regulatórios; apresentação de texto para revisão deve em março
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai avaliar nos próximos meses propostas de mudanças no marco regulatório de medicamentos, em especial na área de registro. A intenção é trazer maior agilidade aos processos e garantir a eficiência da análise.
Em entrevista concedida ao JOTA, a diretora da agência, Meiruze Freitas, conta que, com a crise desencadeada pela Covid-19, a agência precisou dar respostas rápidas para garantir o acesso a determinados produtos e serviços e reduzir os danos da pandemia. A vivência mostrou que muitas das estratégias podem ser incorporadas à rotina.
A começar aproveitamento de avaliações feitas por autoridades sanitárias de outros países, que tenham padrões de exigência e regulação semelhantes aos adotados pela Anvisa. “Na pandemia, trocamos muitas informações. Dados avaliados por outras autoridades subsidiaram avaliações da agência. Houve aproveitamento, otimização, mas mantendo a autonomia da decisão do país”, afirmou ela.
A ideia é ter regras que permitam reduzir prazos regulatórios de forma que tecnologias e novos medicamentos cheguem de forma mais rápida para a população. “A proposta é aproveitar dados de estudos conduzidos em outros países, em especial dados de estudos clínicos e de efetividade, de vida real, que possam ser utilizados para subsidiar uma tomada de decisão de um medicamento. Seja com uma nova indicação terapêutica, seja uma nova posologia ou o uso pediátrico”, disse Freitas.
A regulamentação, prevista para ser colocada em prática neste trimestre, deverá ajudar na avaliação de novas moléculas. Mas a medida também trará impacto para genéricos. “Se esses produtos chegam ao mercado e são colocados na lista de referência, abre-se a oportunidade para uma empresa desenvolvedora de genérico também enxergar o produto como estratégico. E isso, a longo prazo, significa redução de preço”.
Freitas pretende ainda entregar até março a revisão da Resolução 200/2017, que estabelece requisitos para concessão de registro de medicamentos. Relatora do processo, ela estima que o tema seja avaliado pela Diretoria Colegiada da agência rapidamente. Em fase final de elaboração, a proposta permite o aproveitamento de avaliações conduzidas para um medicamento em outras oportunidades. “A estratégia pode impulsionar a inovação incremental. Isso fortalece empresas brasileiras e todas as inovações, mesmo radicais”, declarou.
A proposta permite levar em consideração, na análise dos processos, estudos fase 1, 2 ou 3 que já estejam em domínio público – publicados e avaliados por autoridades sanitárias. Em alguns casos, empresas fariam estudos-ponte, para demonstrar a equivalência entre as pesquisas, um mecanismo que pode significar economia de tempo e de recursos, sem prejuízos para a segurança.
Oferta de medicamentos
Freitas avalia ser necessário trazer mudanças para simplificar o processo de análise de produtos considerados essenciais. Ela cita como exemplo a ocitocina, droga usada para indução de parto. “Há sinalização de que o produto, estratégico, está em risco de desabastecimento”, disse. O problema tem como principal causa o desinteresse comercial. A produção não é atraente, em virtude do preço baixo. Freitas avalia ser necessária a adoção de estratégias para evitar a escassez: “É importante nos aproximarmos do setor, no caso de produtos estratégicos. Conversar com Ministério da Saúde, identificar áreas que precisam de maior cuidado, para que haja uma estratégia de registro diferenciada.”
Em casos de desistência de fabricação, a empresa deve comunicar a Anvisa. Atualmente, a alternativa, diante deste quadro, é impulsionar o registro de outro produto que aguarda análise na fila. Para Freitas, contudo, o tema mostra o quanto a política de preços de medicamentos precisa ser reavaliada: “Seja na estratégia do aumento ou seja na estratégia de ter preços provisórios, no caso de novas tecnologias”. Para ela, é importante ainda que haja possibilidade de redução de preço. “Há muita resistência nesse ponto, mas em algumas situações, tal estratégia seria necessária”, disse.
Simplificação de processos
A diretora afirma não ser fácil simplificar processos. A primeira reação, conta, é resistir às mudanças. “O setor amadureceu, passou por um escrutínio de qualidade”, pontuou. Ela observa que o controle na área é grande, há sinais claros de que regras são cumpridas.
A diretora defende ainda a simplificação das bulas. Para ela, o ideal é que não haja necessidade da presença do documento em todas as embalagens. “A tecnologia da informação tem avançado muito e tende a se consolidar. Com a mudança, daríamos maior celeridade na produção”, afirma. Uma das possibilidades seria retirar, no primeiro momento, a obrigatoriedade das bulas de medicamentos de uso hospitalar, com substituição por uma bula virtual.
Freitas alerta, contudo, que seria preciso ajustes de acordo com a região para onde o medicamento é encaminhado: “Em que pese estarmos próximos da tecnologia 5G, não temos uma internet em todo o país”. Uma das soluções seria que informação da bula estivesse disponível, por exemplo, numa caixa contendo um número considerável de embalagens.
‘Tempo Anvisa’
A agilidade da análise dos processos, contudo, depende de outros fatores além de regras mais modernas. Freitas conta que as filas para registro de medicamentos na Anvisa duplicaram depois da pandemia. Até 2019, a média de espera era de 180 dias. Agora, esse prazo já está em um ano ou mais. O aumento é provocado pela redução do quadro de servidores, combinado com o crescimento expressivo de demandas relacionadas à Covid-19.
Os pedidos feitos à Anvisa, no entanto, não se limitam a pedidos de acesso a terapias ou produtos. Freitas afirma ter aumentado de forma importante os questionamentos do Ministério Público, de órgãos de controle, do Parlamento e da sociedade, por meio da Controladoria Geral da União, referente a ações da pandemia. “Temos de parar tudo para responder aos questionamentos, sobretudo relacionados à recomendação da vacina”, afirmou. Os pedidos são inúmeros. Muitos, impulsionados por mensagens de desinformação, questionam o processo da análise das vacinas, a segurança ou sua eficácia.
Freitas, que está na Anvisa desde 2007, afirma nunca ter visto tamanho número de pedidos questionando a decisão da Anvisa. “A gente precisa confiar mais no papel da regulação sanitária do Brasil, na atuação da Anvisa no contexto do controle da qualidade, eficácia e segurança dos produtos que aqui circulam”, disse. A diretora pondera ainda que muitas das informações solicitadas por autoridades são sigilosas: “Não podemos entregá-las. Não porque tenhamos dúvidas sobre seu conteúdo. Mas a avaliação destes dados exige formação, contextualização. Além disso, são sigilosos.”
A diretora observa que a transparência é essencial nas decisões: “Os pareceres são públicos. Todas informações públicas estão no voto, repletos de fundamentações técnicas, de dados. Mas o que é sigiloso, o que é propriedade intelectual é usado pela área técnica para fundamentar as decisões”.
As maiores demandas recebidas pela Anvisa reivindicam o acesso a dados sobre vacina contra Covid-19 e estudos relacionados aos imunizantes. Mas há também apresentações de argumentos ou artigos questionando informações usadas pela Anvisa. “Damos nossos argumentos, explicamos as diferenças entre artigos científicos e os demais”, observa.
A diretora conta haver ainda respostas para ações judiciais que foram abertas também para pedir informações. “Muitas foram encerradas. Mas há também ações civis públicas. Esse movimento tem nos prejudicado bastante”, afirma, completando: “Consome tempo que deveria ser dedicado à avaliação de produtos”.
LÍGIA FORMENTI – Editora e analista de Saúde do JOTA