02/10/2021
O Globo
Jornalista: Bernardo Yoneshigue*
Seis importantes estudos clínicos brasileiros acabam de receber o investimento de 15 milhões de reais para testar o canabidiol em diferentes doenças. O aporte, um dos maiores já vistos nos estudos com o composto da maconha, veio da farmacêutica nacional Greencare e foi destinado a três instituições públicas de pesquisas do Sudeste e Nordeste — Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Metade dos trabalhos já está em andamento. O mais avançado, coordenado pela Unifesp, se configura como o primeiro no mundo a pesquisar o uso da substância no tratamento da endometriose. Duas outras pesquisas clínicas, uma da USP para sintomas não motores da doença de Parkinson, outra da UFPB para tratar a ansiedade, foram liberadas recentemente pelos comitês de ética das instituições. As demais serão anunciadas em 2022.
— As pesquisas ratificam que o canabidiol não pode ser considerado como algo ilícito. Os estudos sérios e em centros de referência são para mostrar, tanto para a comunidade médica, como para a sociedade civil, que a substância é, sim, uma medicação lícita e efetiva — destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Endometriose e coordenador do estudo pioneiro, Eduardo Schor.
Causada por uma lesão decorrente do acúmulo de células do endométrio em outras partes do corpo, a endometriose é uma doença que afeta cerca de 10% das mulheres brasileiras, especialmente entre 25 e 35 anos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Schor explica que o principal tratamento para o controle da dor nesses casos é o bloqueio, por meio de hormônios, do funcionamento do ovário. Só que nem sempre a terapia consegue eliminar o problema.
— Os médicos acabem administrando outras medicações não hormonais, como analgésicos e anti-inflamatórios. E aí que entra o canabidiol, como um complemento do tratamento tradicional da doença para tentar eliminar a dor e restabelecer a qualidade de vida dessas mulheres — explica Schor.
Ele destaca que, para outras doenças que têm um mecanismo de dor similar, como fibromialgia e artrite reumatoide, o canabidiol já se mostrou eficaz em aliviar esses sintomas. Por isso, as expectativas são altas.
No momento, o trabalho está em fase de recrutamento de voluntárias. Serão 30 mulheres, que já estão em tratamento de endometriose. Metade receberá o medicamento e às demais será administrado um placebo.
Entre as outras doenças estudadas pelas universidades está o transtorno de ansiedade pós-traumático, Parkinson, ansiedade e depressão.
Os medicamentos à base de canabidiol estão cada vez mais presentes em estudos clínicos que buscam alivio para dores crônicas. Em São Paulo, o núcleo de insuficiência cardíaca do Instituto do Coração coordena atualmente a primeira pesquisa do Brasil para saber se a substância pode ser usada no tratamento de pacientes com sintomas persistentes de Covid-19.
Com duração prevista de três meses, a pesquisa contará com 290 voluntários que. mesmo após a infecção, apresentam fadiga muscular, insônia, ansiedade, depressão, entre outros sintomas da doença.
Um outro trabalho brasileiro que se mostrou promissor teve os resultados de sua fase pré-clínica publicada na revista científica Neuropharmacology na última semana. A pesquisa mostrou que o canabidiol consegue não apenas reduzir dores crônicas, mas também atuar em outros sintomas associados a ela, como a ansiedade.
(*) Estagiário sob supervisão de Adriana Dias Lopes