28/06/2022
Redação Panorama Farmacêutico
A falta de medicamentos nas farmácias e hospitais públicos e privados do país traz um alerta sobre a dependência de IFA – insumo farmacêutico ativo. O problema ganhou notoriedade no Brasil em meio à pandemia de Covid-19 quando a China e a Índia fecharam as fronteiras e impediram a comercialização de diversas matérias-primas.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi), o Brasil importa mais de 95% de todo princípio ativo utilizado na produção nacional de medicamentos. E agora, a guerra na Ucrânia e o recente lockdown em Xangai, na China, impactaram na importação de IFAs. Para completar, o aumento do dólar, do combustível e da energia contribuíram para elevar o preço da matéria-prima.
“Temos que pensar em uma política de contingência para resolver essa situação. Os Estados Unidos estão nacionalizando 180 moléculas consideradas estratégicas a toque de caixa para manter a soberania de produção. O mesmo ocorre com a Índia, que está investindo US$ 8 bilhões na nacionalização de 30 moléculas. Ou seja, uma das maiores produtoras de insumos e medicamentos percebeu a fragilidade desse processo. Mas não vemos nenhum movimento nesse sentido no Brasil”, afirma Norberto Prestes, CEO da Abiquifi em entrevista exclusiva ao Panorama Farmacêutico durante a FCE Pharma.
De acordo com ele, desde 2020, o que se fez por aqui foi um levantamento das 50 moléculas prioritárias para manter a saúde pública no Brasil. O estudo já foi apresentado para indústria, para os Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. Além disso, ainda passará para a Anvisa. “O governo terá um papel muito importante nesse processo pelos altos custos de investimento, principalmente no segmento de doenças raras”, ressalta. Prestes avalia que será preciso investir de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões para ampliar a produção de IFA no Brasil.
Brasil e Argentina unidos contra falta de medicamentos
Uma das estratégias para reduzir a dependência de IFA é a parceria firmada entre a Abiquifi e a Câmara Argentina de Produtores de Farmoquímicos (Capdrofar). Em um trabalho conjunto, as duas entidades identificaram que, entre aproximadamente 400 insumos disponíveis nos dois países, somente 20 são produzidos por ambos. A produção conjunta ou transferência de tecnologia impactaria positivamente o setor.
Para compreender o cenário atual dos insumos farmacêuticos ativos no Brasil e as ações para reduzir a dependência externa na importação de matéria-prima, o Panorama Farmacêutico ouviu diversas empresas durante a FCE Pharma.
Importância da gestão do estoque
Para produzir um antirretroviral, a Globe Química precisa de dois materiais. Um deles vem de avião e outro de navio, que além de estar preso no porto de Xangai teve os custos elevados de US$ 3 mil por contêiner para US$ 13 mil. “É um produto que faltaria no mercado caso não tivéssemos comprado anteriormente e trabalhado com o estoque. E isso abre uma nova possibilidade de negócio, que é manter um estoque alto de IFAs estratégicos para a indústria para produção sob encomenda, diminuindo o custo da matéria-prima”, afirma o CEO Antonio Carlos Teixeira.
Visão da distribuição
Distribuidora de insumos provenientes da China e Índia, a Purifarma tem 70% do faturamento proveniente de farmácias de manipulação e 30% da indústria, principalmente na área de nutracêuticos. Hoje, a companhia afirma não encontrar com facilidade produtos como paracetamol, dipirona, creatina e cafeína. Cargas reservadas em janeiro estão sendo embarcadas somente agora.
“Mudamos nossa estratégia de planejamento e estamos aumentando nosso volume de importação para 15 toneladas para poder suprir a demanda do mercado. Já batemos a meta de quantidade de vários produtos, como é o caso da creatina, mas estamos sem estoque. Mas o preço dos produtos como o inositol, que era comercializado por R$ 50 o quilo, precisa ser vendido acima de R$ 200 para compensar os custos atuais”, revela o gerente comercial Henrique Pretti.
Já a distribuidora especializada em insumos para a indústria e setor magistral Belpharma aponta que os custos logísticos estão três a quatro vezes mais altos do que eram até mesmo no auge da pandemia de Covid-19. “Estamos sofrendo com falta de matéria-prima e com os desafios logísticos. Para contornar essas questões, nos tornamos representantes de duas empresas norte-americanas, o que viabilizou a manutenção do estoque e o atendimento às necessidades de nossos clientes”, explica o diretor comercial Marco Aurélio Belchior.
Desabastecimento já é realidade
Enquanto isso, o desabastecimento de medicamentos já é uma realidade. Um levantamento do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP) apontou que 98,52% dos farmacêuticos – grande parte do setor privado – convivem com falta de remédios. Dos 1.152 entrevistados, 93,49% relataram a ausência de antimicrobianos. Amoxicilina e azitromicina foram os mais citados dessa categoria.
Já 76,56% não encontram mucolíticos em estoque, a exemplo da acetilcisteína e do ambroxol, enquanto 68,66% não veem a cor de medicamentos analgésicos como dipirona, ibuprofeno e paracetamol. “Os relatos mostraram que os medicamentos em falta são principalmente em suas formulações líquidas, o que prejudica em especial a população pediátrica”, destaca o vice-presidente do conselho, Marcelo Polacow.