16/06/2023
ABIAD
Em entrevista exclusiva ao Panorama ABIAD, Cristina Leonhardt, Engenheira de Alimentos, Fundadora do Sra Inovadeira e Especialista em Estratégia de Inovação, compartilhou sua visão sobre o futuro dos prebióticos e seus potenciais benefícios para a saúde humana.
Durante a conversa, a especialista destacou a importância da pesquisa e da comunicação, enfatizando como esses elementos são essenciais para garantir inovação no desenvolvimento de novos produtos. Além disso, ressaltou a importância das parcerias entre a indústria, academia e órgãos regulatórios para garantir ainda mais segurança alimentar. Confira a entrevista completa:
1. É possível afirmar que os prebióticos se tornarão mais comuns como ingredientes nos alimentos no futuro? O que podemos esperar da aplicação dos prebióticos a longo prazo?
Sim, isso é possível devido à crescente preocupação com a saúde e à compreensão cada vez maior da importância da microbiota intestinal para a manutenção da saúde humana.
Embora atualmente não estejam presentes em todos os alimentos, é provável que esses ingredientes sejam incorporados a mais produtos alimentícios à medida que a indústria alimentar amplie ainda mais a oferta de opções personalizadas aos consumidores.
Uma startup no Reino Unido chamada Nourish 3D, por exemplo, utiliza a tecnologia de impressão 3D para fabricar suplementos personalizados contendo prebióticos, vitaminas e minerais. Essa tecnologia permite a personalização dos alimentos, atendendo às necessidades específicas de cada indivíduo.
Vale lembrar que a busca por alimentos personalizados não é algo novo na história da indústria de alimentos. Desde o seu surgimento, no século XIX, tem havido uma corrente de pessoas que buscam opções alimentares personalizadas, especialmente quando possuem uma condição particular de saúde e precisam de alimentos específicos para ajudar na recuperação.
No entanto, o modelo atual da indústria de alimentos ainda não consegue fornecer a variabilidade necessária para que cada indivíduo tenha seu próprio alimento personalizado. No futuro, podemos projetar que as pessoas terão mais acesso a alimentos personalizados, e a tecnologia de impressão 3D pode ser uma das soluções para atender a essa demanda, principalmente no caso de suplementos, que estão diretamente ligados à saúde e cujas necessidades variam de indivíduo para indivíduo.
Além disso, é importante destacar que os prebióticos são ingredientes promissores e sua aplicação a longo prazo ainda precisa ser investigada para que possamos entender completamente seus benefícios para a saúde humana.
2. Na tua opinião, a pesquisa científica é capaz de contribuir com a indústria para o desenvolvimento de novos prebióticos e a melhoria dos já existentes? Existe alguma área de pesquisa que merece mais atenção?
Os avanços científicos que ocorrem na academia e no Brasil são extremamente relevantes para alcançar objetivos de inovação que tragam mais valor, tanto para as empresas, quanto para o país. É fundamental investir em pesquisa científica, tanto por meio de investimentos públicos, quanto privados, para que a roda da ciência volte a girar com mais intensidade.
Esses investimentos em pesquisa são especialmente importantes na área de suplementos, pois existe um campo inteiro a ser descoberto sobre a relação entre os alimentos e a saúde, principalmente quando se trata de uma dieta complexa como é a do ser humano.
Até hoje, as pesquisas científicas na área de pesquisa têm sido muito focadas em ingredientes isolados, com o objetivo de melhorar características específicas do corpo, como unhas, cabelo ou sistema digestivo. No entanto, por questões metodológicas, muitas pesquisas não conseguem mostrar o mesmo nutriente dentro de uma alimentação padrão comum na sociedade, o que limita sua aplicabilidade.
É importante adotar uma perspectiva da Teoria da Complexidade nas pesquisas para entender o corpo humano como um organismo complexo dentro de um sistema alimentar igualmente complexo, e não focar em apenas uma pequena parte da interação de um ingrediente no corpo.
Outra questão relevante é entender os efeitos a longo prazo desses ingredientes na saúde, que muitas vezes só são pesquisados a curto prazo ou após alguns meses. Devemos entender o impacto desses ingredientes, sejam eles positivos ou negativos, a longo prazo.
Indo um pouco mais além, para fechar essa pergunta, entendo que, atualmente, as empresas em geral precisam pensar não apenas na saúde do ser humano, mas também no impacto no meio-ambiente em seus projetos e pesquisas acadêmicas. É importante, por exemplo, considerar o impacto dos prebióticos no planeta como um todo, visando decisões que sejam adequadas e sustentáveis para o planeta.
3. E no que diz respeito à informação e conscientização da importância dos prebióticos para a saúde digestiva, como as empresas podem melhorar ainda mais a comunicação com os seus consumidores sobre esses ingredientes?
Me parece que a comunicação é o “X” da questão. Com base em minhas pesquisas de mercado e experiência de trabalho na área de inovação de alimentos, acredito que o problema central em relação ao uso de suplementos no Brasil (não probióticos especificamente) é a comunicação.
O feedback que sempre recebo é de que a indústria de ingredientes muitas vezes erra ao promover uma comunicação extremamente técnica, focada no ingrediente, em vez de destacar os benefícios desse ingrediente aplicado.
Pesquisas que conduzi com pessoas de P&D mostram, por exemplo, que mesmo pessoas técnicas não saberiam diferenciar as fibras entre si e não entenderiam suas diferentes funcionalidades.
É nosso trabalho como especialistas educar e comunicar esses benefícios. A comunicação precisa ser multifacetada, incluir vídeos, webinars, textos, podcasts, falas em eventos acadêmicos, entre outros. Sem essa comunicação, as pessoas não saberão como usar nossos produtos, sejam elas pesquisadoras na área de P&D ou consumidoras.
Pesquisas sugerem que, ao propor uma inovação, é comum errarmos na quantidade de explicação e comunicação necessárias para que ela seja compreendida pelo mundo, em um fator de 10. Ou seja, deveríamos estar comunicando a inovação para o mundo dez vezes mais do que estamos fazendo na prática.
Essa constatação é comprovada por meio de análises de mercado com usuários. No exemplo das fibras, vemos que as pessoas apresentam dificuldades para diferenciá-las entre si e compreender suas funcionalidades, sendo que muitas vezes optam pelo preço, sem considerar os benefícios de cada um dos tipos.
Vale destacar que as fibras apresentam diferenças tecnológicas que se refletem em diferentes potenciais para a saúde. Como resultado, aqueles que decidem sobre o consumo dessas fibras, seja o usuário final ou o pesquisador de P&D que decide sobre um ingrediente, geralmente desconhecem esses benefícios. Nesse sentido, a comunicação se torna extremamente importante.
4. Você poderia citar exemplos de situações que foram bem-sucedidas nesse propósito?
Recentemente, fui contratada para realizar uma pesquisa de mercado para uma empresa que não atuava no setor de prebióticos, mas que serve como exemplo. A pesquisa abrangeu todo o país e incluiu, tanto consumidores finais. quanto pesquisadores de P&D, com o objetivo de identificar oportunidades para o desenvolvimento de novos produtos no portfólio de ingredientes daquela fabricante.
A surpresa foi descobrir que não era preciso lançar novos produtos, pois eles já possuíam ingredientes suficientes e adequados para o mercado. No entanto, havia um problema grave de comunicação insuficiente. Foi identificado que aquela empresa não possuía recall espontâneo entre os pesquisadores de P&D. Quando estes eram solicitados a mencionar produtores de ingredientes, a fabricante não era lembrada ou mencionada.
Este resultado foi surpreendente para mim, pois eu pensava que essa empresa era óbvia e conhecida no setor, mas não estava presente na mente dos decisores de compra. A partir dessas constatações, a minha orientação foi de que ela não precisava desenvolver novos produtos, mas sim melhorar a sua comunicação.
Nesse caso, a solução encontrada foi utilizar insights e materiais que eles já possuíam para lançar o podcast da empresa, que se tornou um caso global de inovação. Esse exemplo ilustra que um dos maiores erros na indústria de ingredientes é assumir que sempre os decisores de compra, especialmente aqueles envolvidos com P&D de alimentos, compreendem completamente os ingredientes.
Muitas vezes, eles têm conhecimento limitado sobre ingredientes específicos, mas compreendem melhor as matérias-primas, como carne, leite, gordura, farinha e cacau. Por isso, a indústria deve investir em comunicação eficiente para promover a compreensão e conscientização dos benefícios dos novos ingredientes para os usuários finais e pesquisadores.
5. Considerando a possibilidade de um futuro próximo em que as pessoas estejam cada vez mais conscientes e informadas sobre os benefícios dos prebióticos para a saúde, e as empresas estejam mais ativas na divulgação desses alimentos, quais seriam os efeitos positivos resultantes dessa mudança na sociedade e na indústria alimentícia?
Isso pode ser um jogo justo e positivo para todos. Comunicar de maneira mais eficaz e ajudar as pessoas a tomar decisões melhores é sempre importante, buscando um equilíbrio de interesses que traga benefícios para todos os elos dessa cadeia, não apenas para a empresa isoladamente, mas também para o consumidor, o planeta e a sociedade como um todo.
É importante ressaltar que aqueles que trabalham na área de suplementos alimentares enfrentam um grande desafio, já que os seres humanos não evoluíram ao longo dos milhares de anos na Terra comendo suplementos, mas sim comida. Apesar de serem uma categoria promissora e cada vez mais procurados pelos consumidores, os suplementos são relativamente novos, existindo há apenas cerca de 50 anos, o que é muito recente para a espécie humana. Por essa razão, eles não fazem parte necessariamente da nossa cultura alimentar.
Portanto, meu conselho para as empresas que desenvolvem esses alimentos é lembrar sempre que as pessoas comem comida, não suplementos. Como poderíamos nos aproximar o máximo possível de uma experiência alimentar autêntica para o usuário? O formato do alimento é um grande fator nesse contexto. Se desejarmos alcançar um número maior de pessoas que consumam esses tipos de alimentos, precisamos encontrar maneiras de entender e respeitar as diferentes culturas alimentares, que foram moldadas de forma distinta ao longo de milhares de anos.